O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 28 de julho de 2012


Quando a árvore descansa
Da tempestade.
Meu homem sai para o mar
Salga seu corpo
floresce  em mim


Na vila onde nasci, os pescadores cantavam enquanto puxavam a rede.
No equinócio de Março, o mar dançava todos os dias. As sereias descansavam e os homens ficavam a salvo. As esposas agradecidas, bordavam as ondas até o sol cansar e deixar a noite tomar seu lugar.
Nas noites quentes os filhos eram semeados com amor. Do mar vinha o peixe, do campo, o arroz a decorar o prato. Da vizinha do lado, o sorriso e um bom dia a dar conta da vida.
Na vila onde nasci, os olhos viam na noite escura. Abrigavam no corpo todos os corpos. Abraçavam até que o coração encontrasse o de todos e desenhasse um sorriso no rosto.
Na vila onde nasci, um dia,  um homem  perdido de dor, incendiou-nos o corpo.
Nada restou, do lugar, onde vivi, senão a canção que a eternizou.

Venho de longe, de um mar que desconheço
Onde o homem mata tudo que nasce
Os beijos são veneno
E os abraços faca afiada

Que febre é a tua, amor
Que não te reconheço

Venho de uma terra perdida
Morta de morte matada
Seca, sem água
Vermelha de sangue

Que febre é atua , amor
Que te perco

Os meninos vivem na rua
Abandonados,
Os homens
Sozinhos, sem casa
Morrem de frio e fome
O sangue desenha o chão
Do animal assassinado.
Venho de uma terra perdida
Que me envenenou a vida

Na vila onde nasci,
um homem perdido de dor,
 incendiou a vida.


Na cidade onde vivo,
há listas negras
de pobres endividados.
Ninguém vê na noite escura.
Nem semeia o amor suado.
Nesta cidade de luto,
os homens do povo
Vagueiam perdidos na rua.
De dia e noite, reza o  verbo
Do débito e do crédito
E por mais que se pague
Continuamos devendo.

De onde vens amor
Que te perco!

Quando a tempestade
Seguir caminho
E a árvore puder descansar
Vou deixar que o homem
Salgue meu corpo
Até que ele seja de novo semente

5 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Em termos de apologia
é bonito o seu poema,
residindo o seu problema
em ter pouca poesia!

JCN

platero disse...

cáustico, seu JCN

belo poema o da nossa amiga sobrevivente serpentária

beijinho para ela

ethel disse...

Se calhar tens mesmo razão, JCN.

João de Castro Nunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João de Castro Nunes disse...

Talvez com medo à serpente
que de pele está mudando
à sola deu muita gente,
cuja falta estou notando!

JCN