O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 9 de julho de 2009

"Pascoaes é um ser terrível..."

"Pascoaes é um ser terrível e a sua poesia, uma coisa imensa e prestigiosa, tornou-se-me fonte de tormento. Quando penso nas dificuldades extraordinárias a vencer para dar dela uma ideia digna, interpretar qualquer outro poeta em Portugal torna-se uma brincadeira.

[...]

No momento em que a Europa cientificada e tecnificada via o pomo da felicidade amadurecido na sempre enganosa árvore da vida, Teixeira de Pascoais diz-nos, e logo no título de um dos seus livros, que, se vemos proibido o céu, nos está também a terra proibida. A Renascença Portuguesa veio e passou, incompreendida como o poeta vidente, e, a falar verdade, um pouco ridicularizada.

Há razão para isso, devemos concordar. Na verdade, o programa parecia, e parece, inexequível. Acentuar-se-ia cada vez mais, e por diversas formas, o sentimento de que o céu está longe e a convicção de que temos de viver, como vis bichos, até à morte, de um modo ou de outro. É absurdo misturar deuses e homens, árvores e almas, paganismo e cristianismo, loucura e sabedoria, melancolia e ilimitada esperança. E assim, a Saudade, no momento de despertarem já para o sentido do perdido bem os próprios infernos, não chegou a despertar os seres da terra"

- José Marinho, Teixeira de Pascoaes, Poeta das Origens e da Saudade e outros textos, edição de Jorge Croce Rivera, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2005, pp.398-399.

4 comentários:

Nunca Mais disse...

Em Pascoaes ecoa a dolorosa alegria do mundo e dos seres. Em Pessoa as angústias do ego a dizer que não existe.

Oestrímnia disse...

Os seres não podem despertar de estarem despertos.

Anónimo disse...

"Pascoaes é um ser terrível..." oiço-me re.ecoar... "coisa imensa e prestigiosa" é a sua poesia...
"Misturar" homens e deuses, toda a Saudade, em uma fundíssima e incompreendida,indizível impossibilidade possível: a palavra e a sua sombra, a sombra de uma original voz, de uma primeva flor... vivê-la...

É um poeta terrível, Pascoaes, uma ampulheta de vento e de vidro, para a voz do tempo presente...
Um deus carregado de pureza!

Laura disse...

Terrível pode ser tudo aquilo que mexe connosco se não quisermos ser mexidos. Também pode ser maravilhoso.