O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 14 de março de 2009

Saudade - A Precognição


Pressagiamos a nossa Imortalidade original
e ainda assim corremos com(tra) o Tempo.

5 comentários:

Paulo Borges disse...

Fulgurantemente certeiro!

Anónimo disse...

Havia um rasto, não fora mas dentro dela. Um rasto de origem. De originalidade. E ainda assim o tempo pesava-lhe como o ritmo interno da monotonia.


Havia um sulco, não fora mas no âmago dela. Um sulco do caminho, da subida, da ascensão à montanha do Nada. E ainda assim, o tempo tinha uma corda que ameaçava estrangular a memória simultânea do para trás e do para a frente.

Havia, como em Auden, uma estima prolongada pelo ritual, pela manutenção do gesto, pela evocação e pela invocação do imemorial. E ainda assim o tempo, criatura de atalhos e desvios - mais cedo do que, mais tarde do que, antes, depois, agora, já, até já, um instante, breve instante, demorado, breve, súbito, inesperado, esperado, pontual, atrasado...- ameaça desviá-la do destino. Ainda que o tempo seja uma criatura impotente na essência da eternidade.

Luíza, o tempo foi o anjo que ela exterminou. Mas dessa luta resultou uma ilusão atroz, uma alucinação, mais do que uma ilusão. Sinte-se perseguida pelo que não existe e faz dele, nos momentos de desamparo, em que a leitora morre no silêncio ezvaziado do sentido e do som, o único companheiro com que corre para trás e para a frente. Sem sair do mesmo lugar. É ainda a infância, e só talvez isso, a temer para sempre deixar de o ser. E o medo é o sino da igreja e da religião a que consagrou toda a inocência que trouxe da Imortalidade.

Se me permites, deixo esta resposta ao Paulo, ele que sabe do "Medo de si" e dos meus.

Paulo Borges disse...

Isabel, o medo dissolve-se na sua plena aceitação e experiência. O medo não resiste a não termos medo de o ter.

Anónimo disse...

Luíza,

Talvez porque saibamos que a vida é um bem precioso e que só a permanência nela, tal como somos e o tempo necessário ao que queremos transcender-nos na nossa forma e ser, também eles mutáveis; talvez necessitemos de mais "peregrinar"... Talvez isso seja uma das razões, porque corremos com o tempo e vamos nele, ou contra ele, ou dele mesmo esquecidos...

Na vibração que sentimos como especialmente nossa e que sabemos que não é, precisamente porque somos origem, mas originais, únicos, na forma de "iluminar" e ser iluminados pelo mundo. Únicos no nosso olhar e no vazio do nosso olhar também. E, no entanto, tão humanamente e amorosamente os mesmos, diversamente...

Permanecendo mais tempo, mais poderemos ser úteis a alguém, a alguma coisa, mais nos cumprimos no que de melhor nos damos e sonhmos. Não é uma dádiva excepcional a vida?
E é isso mesmo, e o imenso sofrimento de a não retribuirmos plenamente!

O tempo é o que não existe. Só o pensamento do tempo existe. Essa é também uma Saudade!

A nossa imortalidade, creio, é uma memória, uma reminiscência de eternidade e totalidade.

Nós não existimos dentro de nós. Só fora de nós, no mundo.

Por outro lado, é humano o conceito de incompletude, que é o que melhor nos caracteriza. Somos iguais diversamente, e diversamente os mesmos.

Correr com(tra) o tempo ou com ele, é apenas uma questão de “ataraxia” ou “febre”... Ou entre uma coisa e outra...

Um beijo

Laura disse...

"E o medo é o sino da igreja e da religião". Ekkyesia ou ecclesia. Tocam os sinos do medo a repique e assim obrigam ao culto e, anteriormente, à guerra. O medo como instrumento.