O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 26 de julho de 2008

Sacratíssima

O coração da Cidade é uma aldeia. Eis o sentimento mais profundo de Lisboa, uma menina senhora, uma criança madura, uma frescura cálida, um rebento filosofal. O sino da torre daquela Igreja faz vibrar as colinas e todas as calçadas são santuários, e todas as janelas são miradouros, e todas as almas, santas. E a Serpente recurva-se.

2 comentários:

Unknown disse...

Que brisa
é essa que me acarinha
a face,
que raio quente
de sol é esse
que me aquece
o corpo inteiro...
como o era
em pequena.

Paulo Feitais disse...

Pois recurva, caríssima!
Eu em Lisboa sinto-me em casa, embora me recuse a possuí-la, porque o meu coração está em Sintra (isto é só para te picar). Mas, de facto, a Lisboa eterna é uma aldeia, onde se ouvem os sinos, as vozes das mães, até os ruídos mais repletos de vida quotidiana, como o zumbido, quase trinado, da passagem dos eléctricos, com aqueles silvos de máquina atrasada no tempo, quase já a animalizar-se, pronta a fazer-nos vibrar... E os perfumes, os aromas dessa cidade por onde as memórias de quase todos os povos que já se viram civilizadores se derramam de cada porta aberta, de cada canto com cheiro a urina, à mistura com o perfume do alecrim e do manjerico, picante do ar que sai das tabernas, com untuosidades de frituras e aromas vínicos.
Por isso em Lisboa ando a pé. É quase uma religião. Lembro-me da manifestação pelo Tibete frente à embaixada da tão impopular República Popular da China, como foi bom sair da estação do Rossio e subir aquela escadaria quase babilónica, com livros usados e discos de vinil nas suas margens, e passar pelo Príncipe Real e namorar a Lisboa-aguarela, até Chegar ao Rato e sentir ao longe a atracção do Jardim da Estrela, a minha quarta praia, e passar por ali ao cair da noite até sentir a frescura pesada da Basílica da Estrela, de onde vi sair o funeral do Joaquim Agostinho, na minha adolescência. É, de cada vez que vou a Lisboa perco-me por ela fora. Até já deixei de cumprir algumas obrigações por me ter deixado deambular sem rumo.
E um beijo! Espero que o texto te percuta no peito e te encha de luz!
:)