O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 23 de maio de 2008

Cavalo alado em azul infantil



Pégaso nasceu do sangue de Medusa. Mais tarde, foi oferecido a Belerofonte para combater a Quimera. No Parnaso viveu com as Musas e fez nascer a fonte Hipocrene, com um dos seus coices. Dessa fonte jorra a fonte de inspiração dos poetas.



Com as suas asas voou para o livro imaginado de Isabel e daí para a Sepente Emplumada...


4 comentários:

Anónimo disse...

Porque não sei senão agradecer entregando o que me contaram e recontei há algum tempo. Não é um conto...é uma coisa sem nome mas com outro cavalo da imaginação:

I


O João atravessou o quarto e pediu-me emprestada a vontade de brincar.
Pôs a máscara do Gigante Malvado e ofereceu-me um rosto sem nome. Começámos a correr, a andar depressa, e descobrimos cantinhos secretos na casa que só agora percebíamos que existiam. Eram lugares pequenos onde os grandes nunca iam porque não cabiam neles. Mas eram lugares onde nunca os grandes tinham sequer posto a vista em cima, porque eram espaços cobertos de magia que só passavam a existir porque o João, com o seu olhar de explorador, os fazia aparecer. Os lugares descobertos deixavam logo de existir quando ele decidia recomeçar a espiar e a explorar outros territórios que só existiam na sua cabeça.

II
Ao fim de alguns minutos de entusiasmada procura e criação, e já com algum cansaço, o João chamou-me com a voz cheia de espanto e alegria. Tinha encontrado um caranguejo. Era ENORME. Ele apontava e eu via-o mas só enquanto ele olhava também. O João conseguia fazer existir todas as coisas que ele queria encontrar. Era maravilhoso o seu poder! Ele pensava nelas e elas aconteciam, ganhavam realidade exterior. Eu... eu estava fascinada com o seu poder prodigioso. Nunca tinha visto nada de semelhante! O João tinha ideias que se transformavam em realidade! Sim, o seu mágico poder continuava: quando olhou atentamente para o bolso tirou de lá outro ENORME caranguejo. Ele ria de contente e corria com as mãos e com o olhar pela casa toda. Apareciam e desapareciam caranguejos por todo o lado!

III
Quando o tio Fred entrou na sala não percebeu nada. Perguntou o que se passava, mas nós prometemos só contar-lhe quando tivéssemos a certeza de que o João conseguia fazer existir outros seres pela casa. Afinal, ainda não tínhamos experimentado procurar outros bichos ou outros seres como anjos ou grifos ou búzios marinhos. O João confessou que gostava de encontrar um cavalo-marinho para atravessar o mar e trazer estrelas para a tia e para a mãe. Como já tínhamos descansado muito resolvemos sair de casa e ir até à praia.

IV
Quando chegámos não estava ninguém. O que era o ideal para o João poder experimentar o seu poder criador de seres. O João pensou muito no cavalo-marinho, mas ele não se avistava no vasto areal da praia. Quando começou a ficar triste e com as lágrimas nos olhos, porque só era um mágico fantástico em casa, muitas conchinhas e um búzio madre – pérola aproximaram-se e começaram a cantar uma música que ele desconhecia. Primeiro olhou para mim, depois começou a dançar ao som da melodia que aquele coro de seres cantava, só para ele conseguir esquecer a ausência do desejado cavalo-marinho. Sem tirar a máscara de Gigante Malvado o João dançava, dançava muito na praia, e punha o búzio no ouvido para escutar com mais atenção a letra da música.

V
A letra tinha uma mensagem do cavalo-marinho. As conchas eram suas mensageiras e diziam no refrão que o cavalo marinho estava muito feliz por ter sido criado pela cabeça do João, e que só havia agora de saber esperar porque era preciso atravessar em veloz correria o mar, que é, como se sabe, ENORME. Então o João concluiu, de forma mais veloz do que o cavalo-marinho, que o pensamento é tão vasto como o mar. Enquanto dançava e ouvia a música, os caranguejos voltaram ao mar ou foram descansar nas pequenas poças de água que as ondas deixavam na areia da praia. Mas eu não podia deixar de cismar que a filosofia desponta nesta forma desorganizada de quem brinca e leva a sério a relação única entre signos e actividade de pensar.

VI
Sem tirar a máscara o João perguntou-me quanto tempo era preciso aguardar. Eu não sabia responder porque não sabia ao certo a medida do mar. Eu estava era, sobretudo, cada vez mais admirada com a sua capacidade para dar vida às coisas desejadas para brincar, e para viver no espaço e no tempo. Ele deu-me um abraço apertado e segredou-me que eu também só existia enquanto o cavalo - marinho não chegasse, porque eu tinha de compreender que só vale a pena andar acompanhado, a fazer explorações, com quem viajou pelo mundo desconhecido dos seres e dos territórios. Eu compreendia, e até estava feliz por ele. Afinal, eu sabia que o mais importante da vida é procurar ver o que a nossa cabeça encontra e conversar com esses seres com que os grandes fazem silêncio por terem medo que as coisas não respondam como as pessoas. O João, sabia que tudo fala, tudo tem a sua forma especial de dizer. E isso deixava-me orgulhosa da sua alma poética. Mais do que um mago criador, era um narrador de fábulas fantásticas. Ele era um poeta! Um profeta...

VII
Era já quase noite quando as estrelas apareceram no céu. Enquanto o cavalo não vinha, o João sempre foi apanhando algumas para levar à mãe e à tia Cocas, quando voltasse a casa para dormir. Havia estrelas de todas as cores e eram todas muito quentinhas. Para não se perderem ou arrefecerem fizemos um buraquinho na areia e escrevemos o nome do João com os dedos. Só que enquanto ele saltava para agarrar as estrelas, a sua máscara caiu. Então, eu vi o seu rosto verdadeiro e perguntei-lhe por que é que ele se disfarçava de Gigante Malvado. O João respondeu que andava a fazer muitas maldades no jardim da casa nova, com a terra e com a água. Por isso, tinha ficado com esse outro nome e até já tinha vergonha de ser o “João”. Eu expliquei-lhe que se ele voltasse a brincar só com a imaginação e com os seres que criava, todos iriam desculpar os seus disparatinhos de criança. Mas era preciso não repetir as brincadeiras do jardim...

VIII
Quando o cavalo-marinho chegou, o João tinha adormecido. Foi preciso acordá-lo para receber a visita suprema que ele tinha inventado. Ele nem queria acreditar! Era lindo, lindo! Todo dourado e muito brilhante. Quando o João lhe tocou para o cumprimentar ficou todo dourado e luzidio! Então, o cavalo-marinho abriu as suas ENORMES asas e levou o João para o reino infinito dos sonhos e dos seres que só ele vai ver e contar quando acordar da sua noite e da sua infância. O tio Fred vai ter de esperar muito para reaprender toda a potência da infância.

IX
Eu vou ficar na praia a escrever esta história e outras que ele me contar, em cada noite, em cada visita ao reino poderoso dos seres da imaginação. Espero que encontre seres fabulosos para me contar como são e em que línguas falam.



Contada e reinventada em Abril de 2003

Bom sábado, eu também vou com as aves...ou será com as asas?

Anónimo disse...

Isabel,
Guardei o "João" numa caixinha que brilha e amanhã vou ver se ele ainda lá está.

Boa noite e bom sábado

lula eurico disse...

Linkei o teu blogue aqui no meu Eu-lirico.
Saudações fraternas desde Recife, Pernambuco, Brasil.
Luiz Eurico de Melo Neto:.

Anónimo disse...

Gosto desta ideia: da inspiração ser um divino coice !