O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 4 de maio de 2008

Acorde(m)

A verdadeira serpente é lusa
tem a saudade como musa
e o ensejo de progredir

Porque o progresso real
esconde-se neste pantanal
como graal a descobrir...

Somos, como povo, os eleitos
que das cinzas hão-de ir
percorrendo redutos imperfeitos
tal qual reluzente eremita
que expande e excita
quem dele soube rir.....

A luz cega de Lisboa
emerge ávida da escuridão
tal o seu fado entoa
a tristeza alegre da solidão

Quem, nau do Tejo, se atreveu
a voar por mares escondidos
e do antigo quadrado bebeu
perfumes redondos esquecidos?

A nossa serpente tem asas
maiores que o inconsciente
e tu, corvo eminente,
porque endeusas tábuas rasas?

é que tu és mais vasto que tu
e ninguém a não ser tu
responderá ao teu caos
senão embarcares nas naus



Miguel Barroso

3 comentários:

Anónimo disse...

Há naus que não dormem
Sonham acordadas
Sonhos bordados na luz das asas
Naus que velam a distância
E tecem caravelas nos olhos dos poetas
E o Tejo reflecte o esplendor das horas
No brilho das águas despertas

Luzes que se acendem
No mapa da vontade
De voar sem direcção nem medo
No coração de esperança da saudade.

Há naus, aqui, no leito da serpente
As asas somos nós que aqui passamos
E acordamos a pátria dormente
Nas vozes com que a cantamos.

Há naus que não dormem, aqui
Dentro das vozes que acordamos.

Ana Margarida Esteves disse...

Alguem escreveu que "navegar e preciso, viver nao e preciso". O mesmo se aplica a voar:-)!

luizaDunas disse...

Boa Noite Miguel,

Li em voz alta o teu poema, senti-lhe o pulso e a eloquência, embalada; depois voltei a ele desta vez a murmurá-lo, como se estivesse a segredá-lo ao ouvido, e estou abalada.